sábado, 28 de março de 2009

Bem-Estar às Meias-Doses

(Foto: Olhares)
O copo, que não consegues definir se meio cheio se meio vazio, foi-te servido de uma bebida que não a tua; apesar da estranheza daquele néctar que te deixa um sabor amargo ao fim de cada trago, o álcool que te vai invadindo o sangue parece estar a funcionar como relaxante e essa sensação agrada-te. Apesar de te rodearem pessoas que te enchem as medidas o vazio dentro de ti deixa-te numa indiferença que te incomoda porque a tua natureza não te deixa conviver com nadas. A tua canção começa e esboças um sorriso interior de esperança que ela tenha chegado para te salvar a noite mas nesse momento vês por entre rostos um de alguém que hoje não te apetece mesmo encontrar e inventas uma repentina necessidade de ir à casa de banho de onde só consegues ouvir fragmentos do teu som. O terceiro, o quarto, o quinto copo daquela bebida estranha começam a preencher-te por dentro e quando sentes que ao fim do próximo gole vais conseguir alcançar a porta de saída desse mundo sem nada reparas que naquele mar etílico jaz um qualquer insecto e decides com um estalo de desilusão abandonar aquela promessa de bem-estar envenenada numa esquina qualquer. Desistes de fugir à solidão e sais pelas ruas dessa cidade de "lampiões tristes e sós" que apesar de tua como sempre hoje te deixa com um arrepio de medo daquelas sombras belas e daquele vento quente que te costuma deixar numa euforia deliciosa de quem quer senti-lo todo entranhar-se pelo corpo. Caminhas a passo largo para o carro e sais depressa das ruas que tantas boas lembranças te trazem. Agora que circulas pelos limites da cidade de onde vês apenas resquícios de vida lá dentro nas luzes que deixam rastos no canto dos olhos, com o coração mais calmo, desaceleras e descontrais o corpo da tensão que há pouco te consumia. O conforto de a veres de fora agrada-te e aquele momento teu está a fazer-te bem, mas por entre o fumo do cigarro vislumbras a incerteza e descobres que não sabes se estás feliz. Sentes entrar por ti adentro uma invasão de desespero porque não cabes nessa dúvida e sem ter a certeza de que é isso que queres vais para casa. O corpo e a cabeça estão exaustos e deixares-te cair ao abandono na cama soube-te bem, trazendo uma sensação de liberdade deliciosa, mas agora que estás entregue à escuridão os olhos não se fecham para dormir: um trago agri-doce paira sobre o teu espírito que sai do teu corpo e dança para ti uma canção que te embala mas também desassossega...

1 comentário:

espinhos e outras flores disse...

Revejo-me no texto. Noites assim... muitas! As palavras dizem tudo, falam de tudo, do que tantas vezes sinto!

Beijo